28 de abr. de 2009

Poema da Angústia

Tenho sonhos cinzentos durante a noite:
Paisagens urbanas sobre as quais me espalho,
Carregadas da ausência de chuvas – emoções férteis.
Não sinto minha quase erudição, exaurida na inexpressividade das idéias.
Descoordenado, penso palavras que não escrevo,
Sensações dispersas que não possuo.
Não sinto a ternura dos olhos, o calor das mãos
Por mais que me toquem e olhem e sintam...
Desabituado das palavras, me torturo, sem qualquer vestígio de dor.
Entorpecido o corpo, não percebo a fuga da inspiração,
O abandonar-se do espírito.
Desligado do mundo, ergo-me aos cumes inacessíveis
E desabo em abismos intermináveis.
Descoordenado, caminho com mãos nos lugar de pés
Sob o escaldante sol do deserto-vida,
Onde arrasto-me às avessas nas sarjetas da insensibilidade.
Insípido, me diluo em todas as bebidas, trafego todas as veias,
Libero todos os medos, toco todos os sexos, beijo todas as bocas,
Sem qualquer ânsia de viver.
Destilado, evaporo na atmosfera cheia de todos os odores mundanos
— Sensualidades devassas e drogadas amontoadas em cantos de banheiros públicos —
Traço solto em outdoor esquecido, sou esboço de meu próprio ser.
Envelhecido, encarquilhado, deixo o tronco retorcido do que sou à beira da estrada;
E cada um que passa arranca uma lasca da árvore morta.
Doente, diluído, retorcido, encarquilhado, envelhecido, morto...

O poema incompleto da desesperança é o ser urbano completo no momento do suicídio.

Flávio Moreira
04/11/1988

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