25 de jan. de 2010

Imagem Virtual

(da série de textos perdidos)

Passeando os olhos pelos jardins, descobri que ainda não saí de dentro do espelho. Ter uma janela aberta e uma visão virtual de uma realidade impalpável... que grande mistério. Quem não acreditar em contos de fadas não poderá entender, jamais, "As Aventuras de Alice Através do Espelho". Minha realidade é um outro mundo. Mas não posso provar a todos sua existência. É preciso crer tanto na imaginação quanto na realidade invisível.

Sou um mago passeando pelos jardins dentro do espelho com a minha janela aberta. Assim consigo fazer com que as pessoas, para me entenderem, atravessem o espelho e enxerguem através da minha janela. Poucas conseguiram.

Não sou tão humano para ser comum. A minha imagem é virtual.

(26/10/1986 - 17:35)

Escrito numa época em que pouco se falava em realidade virtual. A virtualidade era, de fato, aquela da imagem que se formava no espelho, um conceito explicado nas aulas de física e do qual já não me lembro dos detalhes - algo como a imagem não se formar na superfície do espelho, mas em um ponto posterior, inexistente na realidade, uma coisa assim. Fica a curiosidade. E a voz de um eu lírico extremamente presunçoso (rs).

De paredes e biscoitos

Viajando no espelho
Abri minha janela
E as borboletas de primavera,
Em migração, me levaram a viajar
Pelo interior do mundo
E me descobri escrevendo em paredes
E comendo biscoitos.

(25/10/1986 - 20h00)

Anulação

E, de repente, não mais que engano
- Um mal-entendido -
Palavras mal colocadas,
Apreensão dos erros cometidos.
Jogo de agressões
Mágoas... mágoas...
Verbalização tresloucada
E sem sentido. Portas cerradas.
A desistência, desinência
Da auto-anulação.
A carência e a solidão e,
De sobra, pro resto,
A dor sinonimando
A auto-flagelação.

(19-20/11/1984)

O Poeta

(da série de textos perdidos)

Numa tarde comum, de um dia comum, saiu por aí o poeta em sua caminhada sem rumo.
Era um poeta comum, de mochila nas costas, idéias de monte na cabeça, pouco dinheiro no bolso, blue jeans, tênis, camiseta, cantarolando qualquer coisa para distrair.

Pegava ônibus, era operário, camponês, otário, mascate e aprendiz de qualquer coisa. É, era um poeta comum. Escrevia o que queria, onde queria; o que sentia, onde sentia. Amava. Era um alguém, um algo assim.

Andava e dançava e corria. Sorria para os outros, mas ninguém entendia. "É um louco", alguém dizia. Não, não era. O poeta amava, brilhava, o poeta brilhava... e como ninguém. Sentava e escrevia, o que desse, o que viesse.

E se descobria e se amava e se facetava. Sim, tinha muitas faces. Era um poeta! Era do mato, mas falava da cidade; era da água, mas bebia vinho; era do broto, mas comia lata; era do fogo e não se embrasava; mas era forte, e resistia.

Brigava mundos por sua palavra. Amava fundo com sua energia. Amava o campo, o mato e a pedra; a água e o vinho; o fogo e a brasa; a flor e o veneno. Era o poeta que se revelava.

Ele era um pássaro em seu vôo pleno. Livre, ninguém o tocava, nada o prendia. Ficava, se queria. Geralmente, partia. Mas deixava sua marca onde passava. Ficava escrita, gravada, talhada na mente das pessoas sua imagem.

Era leve o poeta, flutuava...

Era amigo, mas ninguém o queria. Poucos o amavam, mas amavam. Menos o entendiam, mas quem entende os poetas? Ele se entendia. Se buscava e se perdia; e se achava. Não era bonito, nem feio. Existia.

Estava e não estava, vivia e não vivia. Caminhava. meu Deus, como o poeta andava! Corria léguas e léguas de humanidade. Colhia flores nas pedras de cada coração que achava.

O poeta escrevia e se perdia nas palavras. Erea o poeta uma fantasia.

Hoje ele está sentado em um banco de praça e ninguém sabe seu próximo passo. Para quem olha o mar e entende as ondas, não há caminhos intransitáveis e nem barreiras intransponíveis. Por isso ele hoje está sentado em um banco de praça. Amanhã ninguém saberá dizer onde ele está.

Talvez fique ali mais um tempo; talvez ele logo se vá. Ninguém conhece seu destino, só ele.

O poeta transcende sua própria existência.

(04/11/1984)