8 de ago. de 2009

Expressão e conteúdo



Se pela palavra foi dada à luz a existência
Quero aquela que, uma vez pronunciada,
Conjure sentimentos e emoções.
Gestos, apenas, já não bastam - são mudos!
E em seu silêncio, soturno, duvido:
Existirão, de fato? Como poderiam,
Já que não-ditos inconsumam-se?
Quero o grito que percorra o arco da noite
E ao raiar do dia, finalmente, proclame: eu sinto!

Orgulho


Se o que amara
À boca túrgida adoçara
Por que fora, agora
Abandonado à espera?

À alma fúria a fera,
Cega de sombra e lágrima, ferira
E à terra fria os despojos lançara.

Das chagas puras vazara
A fluida e morna vida
E a fera cega, altiva, se acalmara

Da massa inerte
Envolta gora em sombra
A fera lentamente se afastara

Destroçada ali ficara
Ela, alma vencida, até a aurora
E a alvorada, que lívida a encontrara,
De luz e calma, terna, a recobrira.

Fria e úmida de orvalho a alma despertara
Das feridas que lhe causara a fera
Já nenhuma marca se notara

Despida, de toda dor agora ignara,
Erguera-se sóbria e para si retornara
A retomar aquilo que na boca espera

Pois o que à boca túrgida adoçara
Agora limpa ainda mais amara.

04/08/2009
16h55

D. Quixote




Cavaleiro de cruzadas vencidas
- Moinhos aflitos morrem desfeitos -
Escudos e espadas já esquecidas
Largadas em campos de amores-perfeitos

Caminha sozinho por rotas perdidas,
Ladeia abismos em passos estreitos,
Vagueia sem rumo, ilusões roídas,
Vergastadas de horrores insuspeitos

Vacila, prossegue, ergue-se e torna a cair
Aqui fica o elmo que molesta a vista,
Ali a armadura pesada de sangue

Despe-se aos poucos como para dormir
Abandona, exausto, a sanha belicista
E mergulha no abismo da vida, exangue

04/08/2009
14h01