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19 de jan. de 2010

Eutanásia

Estou morto!
Arrefece, meu coração
Não há noite, não há dia
Somente a lâmina fria
Cessa a voz, cala-se a luz
Desfaz-se o corpo, empalidece o sonho

Estou morto!
Enrijeço e enregelo
Só meus cabelos crescem!
Nem medo, nem dor, nem nada!
Soturna chega a noite dos mortos
Com sua cobertura negra e vasta.

Estou morto!
E nessa nau errante
Que no escuro se arrasta
Minh’alma, delida de corpo, vaga,
Erra a vau do Estige sem jamais ter porto

Estou morto!
E meu epitáfio diz:
“Jaz aqui a elidível matéria,
Quão tarde descobriu ser vão
O fogo que ardia em seu peito
Agora o que tem é só chão”

18 de jan. de 2010

Poemeto vadio

Ouro sobre chumbo
Compridos dedos
Apontam o céu
- Cheiro de tempestade -
Na tarde de verão
Visto o pôr-do-sol
E vou olhar estrelas

Às minhas costas, somente a chuva.

14 de jan. de 2010

Testamento

Se eu morrer amanhã...
Peço que não chorem por meu corpo
- Carne fria que se esvairá sob a terra -
Mas que antes do rigor mortis, dêem
Meus olhos a quem ame poesia
E deseje saber a cor do amanhecer,
E meu coração a quem saiba amar
Certamente melhor do que eu jamais consegui
Já os rins (matemáticos)... dêem-nos à Ciência.
Depois de tantos cálculos em tantos anos...

Se eu morrer amanhã...
E minha casa subitamente ficar vazia
Não disputem meus parcos bens:
Dêem-nos à caridade, se algo ali prestar.
Mas se alguém uma lembrança quiser
Retire aquilo que mais justificar
Minha permanência em sua memória.

Se eu morrer amanhã...
Não chorem, não poderá ser dia de tristeza.
Se parti foi porque vivi o tanto que me cabia
E minha estrada aqui, enfim, terminou.
Dêem uma festa, leiam poemas, cantem e riam.
Contem piadas e tomem bastante café. Juntem as alegrias
E divirtam-se como se não houvesse amanhã

Se eu morrer amanhã...
Por favor, continuem vivendo.
Sonhem, amem, realizem-se.
Vocês viverem o melhor de suas vidas
Será minha melhor despedida
Se eu morrer amanhã.

(17h31)

12 de jan. de 2010

Cacto

Gritar! Não mais...

Se em silêncio sementes sulcam caminhos
Para o campo aberto abastado de sonhos,
Adormecido na terra está o verbo.

Plantado em nada, tudo rasga o chão duro
Em que se alternam - altivos - atávicos fantasmas,
E brotam flores rubras de angústia e fogo.

Ardem efêmeras palavras e ligeiros sentires.
E fenecem ambos no causticante verão

Calar, apenas...

19 de out. de 2009

Saudade

Porque não há razão em estar vivo
Se não há teus olhos onde perder-me
Se não há teus braços onde encontrar-me
Se não há teus lábios onde fruir-me

A vida, sem ti, é uma ruidosa monotonia
Contigo, silêncios em forma de sinfonia
Sem ti, viver é passar os dias como nuvens sem propósito
Contigo, revoada de pássaros ao fim da tarde:

Um espetáculo de contemplação e contentamento
Um coração aquecido em sentimento
Um ardor leve e rubro no peito ofegante
Um afago de fibras, peles e pelos.

Contigo, instantâneos em preto e branco de Cartier-Bresson
Sem ti, imagens banais, ainda que coloridas.
Contigo, campos de trigo e jardins de lavanda
Sem ti, pasto seco e aridez de pedra.

Sem ti, é estar sempre preso ao solo
Contigo, é alçar vôos de condor.
Sem ti, é a insipidez da água
Contigo, é a miríade de sabores do vinho.

Contigo, inspiração e enlevo
Sem ti, eterna página em branco.

Porque só há razão em estar vivo
Se há teus olhos onde perder-me
Se há teus braços onde encontrar-me
Se há teus lábios onde fruir-me.

13 de out. de 2009

Embaralhado

Abri o peito e dei ao mundo
As fibras tensas de meu coração.
Que tolo: ele fez delas cama de gato e sapato!

10 de out. de 2009

Basta um dia

Basta um dia. Um dia apenas e esquecemos tudo.
Basta um dia, e jogamos fora as dores de amores, as tristezas de corações partidos, de olhares não correspondidos, da languidez carente e devassa que nos oferecia à primeira boca aberta em flor para nos engolir a alma.
Basta um dia, e esquecemos depressa as alegrias da infância, o primeiro brinquedo, o primeiro folguedo, o primeiro balanço, o primeiro descanso no colo da avó. Basta um dia.
Basta um dia, e lançamos no vácuo todos os nossos sentidos, os nossos sentires, os nossos cantares, os nossos ouvires, os nossos sorrisos, os nossos amigos, os nossos abraços.
Basta um dia, e NÃO!
Não amor
Não cor
Não torpor
Não calor
Basta um dia, e NÃO!
Não tocar
Não beijar
Não gozar
Não falar
Basta um dia, e NÃO!
Não luzir
Não sorrir
Não fugir
Não seguir
Basta um dia, e NÃO!
Não crescer
Não vencer
Não nascer
Não viver
Basta um dia.
E a luz se apaga, e o sol se põe, e a lua vem, e ninguém...
Basta um dia e nunca mais manhã, nunca mais terçã, nunca mais nunca.
Basta um dia, e esqueço todas as palavras que diriam o que quero e não sei.
Basta um dia.
Basta de poesia.

9 de out. de 2009

Jeitinho brasileiro











Há que se viver intensamente!
Se não puder ser literalmente
Que seja, ao menos, literariamente.

7 de out. de 2009

Soneto das 15:37














Lanço ao vento minhas emoções vastas
Porque tu, vida apenas, não me bastas.
Quero estrelas – todas: vivas ou mortas
No céu frouxo de minhas rimas tortas.

Toma meu peito, quieta meu coração
Com a mão arranca mágoas e tristezas
- Teus olhos calmos derramam certezas
Que amores gentis por certo virão.

Lanço ao vento minhas emoções baças,
Que a contravento chegam as tormentas
De se viver assim inutilmente,

Como se as dores de viver fossem chalaças.
Se abraçá-las tu, sozinho, intentas
Então viver já vale, intensamente.

16 de set. de 2009

Pronomes confusos

O pronome “tu” em francês é aproximação, intimidade.
Nós tiramos o “tu” da nossa vida e aquele com quem se fala, em português, é sempre a terceira pessoa. Que triste: "terceirizamos" o diálogo!

Ferida

U
m
f
i
n
o
f
i
o
d
e
s
a
n
g
u
e
se
esvai
aos poucos
enquanto
a vida
sai
espanto!

Semifusa

Te odeio e te amo.
Porque tenho águas nos olhos
E uma saudade da vida
Como se tudo coubesse em um acorde maior da tua voz
E quando ele soa fica tudo suspenso
Em um único fôlego
Em um único tom
Em um único beijo
E milhões de desejos

11 de set. de 2009

Náusea

Inspirado pelo Blog do Cappacete

Já não tenho mais paciência com o mundo!
Gritem, esperneiem, desfaçam-se em balidos de ovelhas sem cão,
Vós que chafurdais nos lodos dos engodos abissais de poder, de usura, de contrafação
- descarada e descabida -
Das promessas não cumpridas de verdade, amizade, respeito e bondade; dos desejos
De vida melhor e igualdade; de não mais fome, ignorância e miséria.
Basta dessa brutalidade!

Haikai bilioso

silêncio noturno
no céu da boca rebrilha
um grito de fúria

8 de set. de 2009

Diálogo do esquecimento

- Mãe, o que é o rio?
- É a juntada de todas as lágrimas vertidas em tristezas de cego que já viu luz; a lembrança de todas as alegrias já idas.
- E para onde ele leva isso tudo?
- Para o mar - pai das águas - onde tudo se apaga.

2 de set. de 2009

Soneto para JGR

Para os dias de tristeza e agonia
Inventei eu uma nova liturgia:
Quando a dor de estar na vida se avoluma
E a alma, como se furada de verruma,

Demanda ir-se apartando do mundo
Indo ter-se encolhida no profundo,
Obscuro e temeroso esquecimento,
Por agruras de desditoso momento,

Ponho medos e queixumes à deriva
Colho flores de poesia na palavra
Junto notas de sua lira preciosa

E agradeço em alegre contrição
Pelo bálsamo de sua criação
A meu doce São João Guimarães Rosa

13h51

28 de ago. de 2009

Quase-haikai paulistano

São Paulo, seis da tarde
a indústria automobilística
vai cobrir o Tietê

sobre uma frase de Sandrinha

Haikai II

na relva orvalhada
- degelo de primavera -
meu corpo desperta

Quase-haikai I

beija-flor parado no ar
pausa de semifusa
na brevidade da vida

Haikai

chá no fim do inverno
flores despontam nos galhos
meus olhos sorriem