20 de jan. de 2010

Se eu pudesse voar (ou "a primeira tentativa de escrever um poema")

(podem gargalhar; além de permitido, o textinho merece: aos 15 anos, com essa bobagem, ganhei na escola o apelido de "homem-pássaro" - como eu nunca liguei para o apelido, não pegou.)

Se eu pudesse voar,
Sem nenhum aparelho,
Voar sem asas,
Voar somente por voar,
Voaria pelo mundo,
Voando sem parar.
Voaria até o mais alto monte da terra
Voaria por cima do mar
Voaria por cima da guerra
Voaria por cima da paz
Voaria além do horizonte
Voaria por cima do cais
Ah! se eu pudesse voar
Voar pelo mundo todo
Voar por cima do lodo
Voar só por voar
Mas se eu pudesse voar
Não gostaria de voar sozinho
Voaria com quem sabe amar
Para não perder meu caminho
(20/05/1980)

Sem título

(da série de textos perdidos)

E já, então, cansado e triste, sento-me à mesa da neutralidade, a me esconder sob este manto roto que é a poesia, tentativa inútil de extravasar-me definitivamente nos desvãos da "city", dissolvendo-me sujo em vapores lodosos de neon. Quisera não sentir tanto e tão profundamente, não exercendo jamais este fascínio sobre as gentes, pois sempre ele vem acompanhado de um temor, de uma repulsa, e eu nunca sei direito que
sensação inspiro. Mas não posso coisa alguma fazer, pois tenho os olhos faiscantes de lágrimas ferventes, que meu coração batido expele de transbordo, como a querer gritar do fundo alagado do meu peito a exumação da culpa que não me pertence: que posso fazer se sinto no fluxo e refluxo de sangue do meu corpo o oscilar constante da insanidade do mundo, que ama e odeia com fúria e mansidão, ou se percebo passando por minha alma, minha mente, minha união toda de corpo e espírito, as emoções correntes como enxurradas? Afinal, que culpa é esta que possuo por ser "humano"?

(09/05/1989 - A propósito de Augusto dos Anjos)

Quase 30

(da série de textos perdidos)

São Paulo, 29 de abril de 1999.
"Parce que moi je rêve
Moi je ne le suis pas"
Quase 30.
Estou sentado diante do computador - esta ferramenta moderna que supostamente deveria facilitar a vida dos homens mas que cada vez mais os afasta de si mesmos -, olhando esta letra "bonitinha" que se desenha sobre a tela enquanto bato sem agilidade nas teclas...

Quase 30.
Estou com um pouco de sono, com muita fome, algum cansaço... Não tirei os sapatos ainda. Está frio e os meus pés nos sapatos estão quentinhos. Está frio e eu estou só de camiseta. Visto, ainda, essa calça jeans de que não gosto, mas que é resistente, que está suja, que neste momento mantém a temperatura das minhas pernas em um nível saudável. Meio vestido. Um pouco desvestido. A sensação da roupa no corpo, a proteção, o calor morno, a brisa fria nos cotovelos... Minhas mãos mornas...

Quase 30.
A música repetido, intencionalmente, no toca discos a laser. "Someday in my life". "Algum dia em minha vida". Algum dia em minha vida minhas lembranças apagadas da noite de 29 de abril, um pouco fria, em que escrevi este texto. O sono, a fome, o cansaço, o frio, o morno, a música, a repetição. Que lembranças serão? O amor esquecido, a passagem do tempo, as areias de minha alma escorrendo pela lisa, fria e brilhante superfície da vida, a sabedoria de não saber mais nada, a não ser o essencial, o incógnito, o que está lá, algum dia em minha vida, e não aqui, neste dia em minha vida...

Quase 30.
Daqui a seis, não, cinco minutos. Uma manhã após uma noite de luar. "Um espetáculo", ouvi do amigo ao apontar-lhe o lume daquela bola no céu, com algumas delicadas nuvens fazendo-lhe moldura sutil como quimera. Sim, espetáculo. Palidez feita de luz um brilho pérola tudo em volta aquático o som apenas uma imagem instantânea para cá das estrelas...

Quase 30.
Um minuto apenas e não haverá mais este hoje. Pronto, o amanhã chegou sem amanhecer seu calor dourado, ainda fingindo ser aquele ontem de um minuto atrás. Amores diluindo-se entre ontem e amanhã, hoje...

Já é 30.
E o meu dia está apenas começando. Agora vou aos sonhos, meus sonhos, meu mundo de sonhos, por que eu sonho...

Boa noite. Bom dia.
(29-30/04/1999)

Manhã de Primavera

(da série  de textos perdidos)

Abri as janelas e deixei o sol entrar...
Era manhã e o frio glacial ruía,
Extertores de geleiras se quebrando.
Minhas mãos mornas, firmes,
Acariciam meu coração,
Pássaro beijado pela poesia,
E este alça vôo alcançando as estrelas.
As emoções pintam cores onde antes havia nada
E, repleto, transbordo de alegria.
A vida se refaz noutra vida
E nela tenho como companheiro o tempo,
Mestre paciente e substância de meu corpo...
Meu corpo galhos, hastes, troncos, folhas,
Ofertas preguiçosas aos raios de sol;
Meus lábios flores abrindo-se ao orvalho,
Palavras perfumes, fragrâncias, odores
- Jardins súbitos revelados -
Minha voz adágios, allegros, andantes
Melodias que a vida me traz.
E os silêncios, pausas musicais,
São discursos afetuosos,
Gestos eloquentes de almas
Que já não carecem de palavras
- Diálogo de espíritos em harmonia -
Reencontros de vidas já vividas.
Abri as janelas e o sol encontrou
Meu coração batendo fora do peito
Porque já não cabia nele
A vastidão da vida...
(19/05/1999 - 07h30)

Reflexos (mentiras desnecessárias)

(da série de textos perdidos)

Me dói esta melancolia sem propósito
Que nasce aqui, neste momento interno.
Assusta-me que este poço sem fundo de sensações
E sentimentos sísmicos neste instante ferva
Como a querer expelir tudo em desespero.
Mas, angustiado, descubro que não é possível
- os poços há muito estão selados pelo amálgama da razão -
Em verdade o que dói não sou eu:
Dói minh alma inteira ante o sentimento impossível
- o que é o impossível? - que em mim por ti existe
Dói esta emoção de ver-te perto
E ainda tão longe que ainda não ouso te dar meu poema.
E até que o ouse ele permanecerá lacrado
No fundo do meu poço-coração.
(24/03/1990)

Poema para os olhos do amigo

(de uma série de textos muito antigos que se encontravam perdidos)

Mas, ah! menino!
O que é que existe neste teu olhar,
Que olhando assim me inquieta
E me tira o sono?
Que é que se acoberta neste teu jeito
Doce-tímido que olha e queima?
Não te adivinho, menino, mas te percebo.
E de tanto lembrar teu olhar
Dei de ver estrelas no chão do metrô.
De tanto querer saber desta doçura em tua alma
Me encontrei faminto de poesia.
17/03/1990

Abrindo o baú

Ontem (19/1/2010), por acaso, ao procurar uma partitura em casa, encontrei vários textos meus, antigos, perdidos em uma pasta. O duro é que o Blogger não é flexível a ponto de permitir que se insira textos entre textos antigos, ou seja, tudo entra na fila como se fosse um post novo. Um saco. Então, para diferenciar, vou usar o marcador "Do fundo do baú" para designar esses textos. É o jeito...

19 de jan. de 2010

Eutanásia

Estou morto!
Arrefece, meu coração
Não há noite, não há dia
Somente a lâmina fria
Cessa a voz, cala-se a luz
Desfaz-se o corpo, empalidece o sonho

Estou morto!
Enrijeço e enregelo
Só meus cabelos crescem!
Nem medo, nem dor, nem nada!
Soturna chega a noite dos mortos
Com sua cobertura negra e vasta.

Estou morto!
E nessa nau errante
Que no escuro se arrasta
Minh’alma, delida de corpo, vaga,
Erra a vau do Estige sem jamais ter porto

Estou morto!
E meu epitáfio diz:
“Jaz aqui a elidível matéria,
Quão tarde descobriu ser vão
O fogo que ardia em seu peito
Agora o que tem é só chão”

18 de jan. de 2010

Poemeto vadio

Ouro sobre chumbo
Compridos dedos
Apontam o céu
- Cheiro de tempestade -
Na tarde de verão
Visto o pôr-do-sol
E vou olhar estrelas

Às minhas costas, somente a chuva.