28 de ago. de 2009

Quase-haikai paulistano

São Paulo, seis da tarde
a indústria automobilística
vai cobrir o Tietê

sobre uma frase de Sandrinha

Haikai II

na relva orvalhada
- degelo de primavera -
meu corpo desperta

Quase-haikai I

beija-flor parado no ar
pausa de semifusa
na brevidade da vida

Haikai

chá no fim do inverno
flores despontam nos galhos
meus olhos sorriem

25 de ago. de 2009

Para os poetas românticos

Gosto dos poetas românticos (não de estilo, mas de coração) porque escrevem derramando sua alma em cada verso, esbanjando floreios em cada rima, algumas tolas, outras sublimes.

Gosto desses poetas porque não têm medo do ridículo pessoano das cartas de amor rasgado, que desavergonhadamente bradam seus sentimentos voláteis em palavras perenes.

Gosto desses poetas que não sabem o que fazem quando dizem o que sentem em um mundo cada vez mais repleto de máscaras de seriedade e respeito.

Gosto desses poetas que ousam ser demasiadamente humanos e egoístas em suas emoções hiperbolicamente gritadas aos quatro ventos.

Gosto desses poetas que sofrem de amor e derramam sua dor em cada verso como se esse, exatamente esse, fosse o último que escreverão, ainda que reincidam nos amores fugidios guardados em futuros insuspeitos.

Gosto desses poetas que sonham rimas de flores e amores, de desejos e beijos, de paixões e aflições, de mortes diuturnas pelo ser amado.

Esses poetas fazem o verão dos sentimentos plenos e vastos que nossa intelectualidade servil e técnica já não admite. Eles nos fazem enxergar onde deixamos de trilhar o caminho dos sonhos e passamos a enterrar a cabeça no chão da razão.

Nós passaremos.

Eles, quintanamente, passarinhos.

25/8/2009 - 14h50

24 de ago. de 2009

Enigma

Não vejo o arco de luz no céu
Somente as sombras e a luz baça
Não vejo a lua e seu brilho pálido
Como pálidas estão minhas faces

Sob a cálida luz do entardecer
Vejo no ocaso de meu rosto
Verdades escritas a fogo brando e constante
Como marcas de arame farpado
Nas estacas das cercas muito antigas

Verdades escritas em uma língua
Há muito esquecida e soterrada
Sob séculos de pó e tristezas
Repisadas ao infinito por pés
De caminhantes solitários

Vejo partidas de meus sentimentos
Olvidados em olhos
Nos quais não me reconheço
Em amores que se foram
Sem nunca terem sido

Vejo augúrios e presságios
Que a sibila, muda, desconhece
E que o vidente, cego, mal vislumbra

São páginas escritas
Em carcomidos alfarrábios
Com letras gastas em páginas
Amareladas de tempo e lágrimas

São traços apagados de mãos
Usadas e abusadas pela vida
São olhos opacos por eras
São músculos exaustos
De um coração que não bate - sussurra...

E o que dizem, não entendo:
São o mistério sem pistas
São os sabores ocultos
São as cores não vistas
São os sons inauditos
São as texturas impalpáveis
São os odores indistintos
São o sangue, a lágrima
O suor, a saliva, o sêmen
A virilidade do homem,
A maciez da mulher,
O seio terno da fêmea,
O peito rijo do macho,
O vigor da juventude esquecida...

São um fantasma
De mim em mim e fora de mim

São as vozes do fim.