25 de jan. de 2010

O Poeta

(da série de textos perdidos)

Numa tarde comum, de um dia comum, saiu por aí o poeta em sua caminhada sem rumo.
Era um poeta comum, de mochila nas costas, idéias de monte na cabeça, pouco dinheiro no bolso, blue jeans, tênis, camiseta, cantarolando qualquer coisa para distrair.

Pegava ônibus, era operário, camponês, otário, mascate e aprendiz de qualquer coisa. É, era um poeta comum. Escrevia o que queria, onde queria; o que sentia, onde sentia. Amava. Era um alguém, um algo assim.

Andava e dançava e corria. Sorria para os outros, mas ninguém entendia. "É um louco", alguém dizia. Não, não era. O poeta amava, brilhava, o poeta brilhava... e como ninguém. Sentava e escrevia, o que desse, o que viesse.

E se descobria e se amava e se facetava. Sim, tinha muitas faces. Era um poeta! Era do mato, mas falava da cidade; era da água, mas bebia vinho; era do broto, mas comia lata; era do fogo e não se embrasava; mas era forte, e resistia.

Brigava mundos por sua palavra. Amava fundo com sua energia. Amava o campo, o mato e a pedra; a água e o vinho; o fogo e a brasa; a flor e o veneno. Era o poeta que se revelava.

Ele era um pássaro em seu vôo pleno. Livre, ninguém o tocava, nada o prendia. Ficava, se queria. Geralmente, partia. Mas deixava sua marca onde passava. Ficava escrita, gravada, talhada na mente das pessoas sua imagem.

Era leve o poeta, flutuava...

Era amigo, mas ninguém o queria. Poucos o amavam, mas amavam. Menos o entendiam, mas quem entende os poetas? Ele se entendia. Se buscava e se perdia; e se achava. Não era bonito, nem feio. Existia.

Estava e não estava, vivia e não vivia. Caminhava. meu Deus, como o poeta andava! Corria léguas e léguas de humanidade. Colhia flores nas pedras de cada coração que achava.

O poeta escrevia e se perdia nas palavras. Erea o poeta uma fantasia.

Hoje ele está sentado em um banco de praça e ninguém sabe seu próximo passo. Para quem olha o mar e entende as ondas, não há caminhos intransitáveis e nem barreiras intransponíveis. Por isso ele hoje está sentado em um banco de praça. Amanhã ninguém saberá dizer onde ele está.

Talvez fique ali mais um tempo; talvez ele logo se vá. Ninguém conhece seu destino, só ele.

O poeta transcende sua própria existência.

(04/11/1984)

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