Ao entardecer, vivi todos os tormentos, presságios, agouros...
Ilusões formadas no seio da noite tomaram de assalto minha mente.
Na proximidade do ocaso, fui passageiro em suas asas:
Vi todas as luzes da cidade, constantes ou não.
E dentro delas os homens, as mulheres, a humanidade inteira...
Deslizei displicente em todas as camas e recantos brumosos
Onde mãos exploravam corpos e segredos eram revelados.
A cada instante novo brilho surgia e com ele nova realidade;
E eu alheio a toda realidade...
Até o ápice da lua, horas intermináveis de devaneios.
Entorpecido com tantas imagens, adormeci.
Tive todos os sonhos, bons ou maus, providos pelo cansaço;
Pesado, afundei o corpo na realidade inverossímil do meu catre,
E deixei vagar o espírito por entre mundos inimagináveis.
E todas as viagens que fiz,
E todos os lugares que conheci,
E todas as coisas que palavras não descrevem —
Maravilhosa ilusão do viver!
Aninhado, coberto, aquecido, saciado, despertei.
Então o desmoronar das ilusões me foi menos doloroso.
Ao amanhecer, permiti a limpeza da matéria:
Lavei a essência, perfumei a alma, purifiquei o corpo
E me ofereci inteiro às primeiras cores da manhã.
Acariciado pelo vento, sedento de orvalho, inebriado pelos odores da aurora,
Fui exposto à toda exuberância da natureza.
Arrepiei a pele aos primeiros raios de sol, antevendo a eclosão do gozo.
E me expandi, matéria e essência, por todo o Universo...
Assim, existindo desnudo, imemorial e mutante,
Sou reflexo cristalino da ansiedade do mundo
E, por isso, o assombro.
Flávio Moreira
09/11/1988
Saudades Cintilantes
Há 6 anos
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